top of page
Mutant Remipedes
Remípedes Mutantes

2011

This series is based on the use of the oar as a metaphor to symbolize nature's struggle for survival, in this case the survival of an element from the forest through wood and the use of traditional wood-sculpting technique in this material. This material was discarded both by man and by nature and I collected it as part of the work process. The study addresses the morphological mutations of the work that occurs during the creative process in the studio. The “Oar”, during this process, undergoes metamorphosis and incorporates certain characteristics, tentacles, farming instruments, organic cells, that ensure its adaptation to the very environment that attacks it.

Essa série se baseia na utilização do remo como metáfora que simboliza a luta da natureza pela sobrevivência, neste caso a sobrevivência de um elemento da mata através da madeira e a utilização de técnica tradicional da escultura nesse material. Este material foi descartado tanto pelo homem como pela natureza e catado por mim como parte do processo de trabalho. Essa pesquisa trata sobre as mutações morfológicas da obra que acontecem durante o processo criativo  no ateliê. O “Remo”, no meio desse processo, vai sofrendo uma metamorfose e incorporando certas características, tentáculos, instrumentos agrícolas, células orgânicas, que garantem sua adaptação ao próprio meio que o agride.

Madeira / Wood
2011

Mutant Remipedes

In the early 2000s Jorge Rodríguez-Aguilar’s work drew on the popular urban repertoires of his native Colombia. These specific repertoires, however, were essentially no different to others from Latin America and even from Africa. By analogy we can therefore assert that his works from the period spoke not only to the situation in Colombia, or in Brazil, but to a certain kind of greater tension, common to the cities of those two continents, where a portion of his work is aimed not only at the manufacture of goods for low-income layers of society, but also at the production of equipment used by small-scale street trade, stalls and vendors: carts, boards of various functions, wheelbarrows and displays familiar to the streets of Latin American and African cities of all sizes.

These works of Jorge’s therefore developed the specific artistic potential of such popular consumer items. However, the artist directly borrowed only some of them the production circles of utility objects, as he recreated, rather than acquired, the street trade equipment which he used as displays.

Rodríguez-Aguilar’s assimilation or reconstruction of products in this phase of his work cannot, therefore, be understood simply as praise of handicraft, seeing as they originate from manufacture. Nor should they be taken as a symptom of an acritical appreciation of the design, as they fall short of its logic, resulting from the practical recognition of certain economic activities common to the dog-eat-dog approach of the Latin American elites. These are works that possess a vague (albeit poetic) statute. They correspond neither to one extreme (handicraft), nor to the other (design), but to the intersection of the two.

The set of works now on show, which Rodríguez-Aguilar calls Mutant Remipedes, also bear, like its objects from the start of the last decade, a sense that stems from the poetic exploration of a silent hybridization created by the artist in the works. His works empty out polarizations or antinomies dear to common sense discourses such as: the opposition between popular handicraft and industry or, in the case of the Remipedes, the opposition between culture and nature, here neutralized by the mutant content of the pieces in this new series.

The mutation, however, is not only the artistic reference of the works. They result from a previous mutation that occurred in their actual work process.

Whereas the objects produced drawing on the urban logic of Latin American popular consumption had an explicit political content, the current sculptures now address another myth that pervades the worldwide artistic vision of our continent: a place where nature and culture are intertwined.

Unlike the previous objects, almost always framed by the boards, and thus still contained in a support, albeit an unconventional one, the Remipedes are inscribed like loose bodies in space.

The mutations that resulted in the Remipedes are already insinuated in the hybrid aspect of their denomination. Some of the sculptures presented here possess a revealing morphology. They are visibly derived from the basic design of an oar (remo in Portuguese). The mutation in question is that of an artefact essential to human history, a product of culture, an artefact that gains life when transformed into almost an organism, neither vegetable nor animal. The use of various types of wood, primarily in these artefacts, warms its organic element and, combined with the title of the series, presents us with some challenges.

The artistic transformation of the man-made objects into mutant entities with no utility, seeing as they have become almost alive, leaves us in no doubt. This is, if we focus purely on the title given by Rodríguez-Aguilar to the works, an operation of naturalization of culture, of the mutation of an functional object into an exotic device of tropicality.

But there is an inverse path suggested by the denomination of this set of works, which comes about in the very act of producing them. The objects from the early 2000s and the current sculptures also differ in one crucial aspect. Whereas the former were distinguished by the appropriation or production of objects morphologically determined by a specific cultural context (poverty and violence), the Mutant Remipedes sculptures, although exploring naturalization, only exist thanks to their poetic invention and materialization by the artist’s action. They do not result, therefore, from a process of natural selection, but rather from an artistic-poetic operation that returns these mutants to their cultural origin.

 

 

Fernando Cocchiarale

Rio de Janeiro, March 2011 

 
 
 
 
Remípedes Mutantes
No começo dos anos 2000 a obra de Jorge Rodríguez-Aguilar nutria-se dos repertórios populares urbanos de sua Colômbia natal. Esses repertórios específicos, no entanto, não diferiam essencialmente de outros da América Latina e, até mesmo, da África. Por analogia podemos, então, afirmar que suas obras desse período não evocavam apenas a situação colombiana, ou a brasileira, mas um certo tipo de tensão maior, comum às cidades destes dois continentes, nos quais uma parte da produção é voltada não só para  a fabricação de bens destinados às camadas de baixa renda, como também para a produção de equipamentos necessários para pequenas atividades comerciais de ambulantes, camelôs e de toda sorte de vendedores de rua e subempregados: carrocinhas, tabuleiros de variadas funções, carrinhos de mão e displays  familiares às ruas das pequenas, médias, grandes e mega cidades destas regiões do planeta.
 
Esses trabalhos de Jorge elaboravam, pois, a potência poética específica desses objetos do consumo popular. Entretanto, apenas uma parte deles era apropriada diretamente dos circuitos de produção de utilitários, já que os equipamentos do comércio de rua, usados como displays pelo artista, não foram adquiridos, mas por ele recriados.
 
Os produtos assimilados ou reconstruídos por Rodríguez-Aguilar nessa fase de seu trabalho não podem, portanto, ser simplesmente entendidos como um elogio ao artesanato, posto que sua origem é a manufatura. Tampouco devem ser tomados como sintoma de um apreço acrítico pelo design pois estão aquém de sua lógica, já que resultam da consagração prática de certas atividades econômicas comuns ao salve-se quem puder das elites latino-americanas. São trabalhos que possuem um estatuto vago (posto que poético). Não correspondem nem a um extremo (artesanato), nem a outro (design) mas à interseção dos dois.
O conjunto dos trabalhos agora mostrados, chamado por Rodríguez- Aguilar de Remípedes  Mutantes, possui também, como seus objetos do início da década passada, um sentido que brota da exploração poética de campos de hibridação silenciosos criados pelo artista, nas obras. Seus trabalhos esvaziam polarizações ou antinomias caras aos discursos do senso comum tais como: a oposição entre artesanato popular e indústria ou, no caso dos Remípedes, a oposição entre cultura e natureza, aqui neutralizada pelo teor mutante das peças desse novo conjunto. A mutação, no entanto, não é somente a referência poética destas obras. Elas resultam de uma mutação anterior ocorrida em seu próprio processo de trabalho.
Se os objetos produzidos a partir da lógica urbana do consumo popular latino-americano possuíam um teor político explícito, as esculturas atuais tratam agora de outro mito colado ao imaginário mundial a respeito de nosso continente: um lugar onde natureza e cultura se interpenetram.
Diferentemente dos objetos anteriores, quase sempre enquadrados pelos tabuleiros e, por isso, ainda contidos num suporte, ainda que não convencional, os  Remípedes se inscrevem como corpos soltos no espaço.
 
As mutações que resultaram nos Remípedes já estão insinuadas no teor híbrido de sua designação. Parte das esculturas aqui apresentadas possuem uma morfologia reveladora. São visivelmente derivadas do desenho básico do remo de um barco. A mutação em pauta é a de um artefato vital à história da humanidade, um produto da cultura, um artefato que ganha vida ao se transformar num quase organismo, nem vegetal nem animal. A utilização de madeiras diversas, predominante nesses artefatos, esquenta seu teor orgânico e, combinada ao título da série, nos propõe alguns desafios.
A transformação poética de objetos produzidos pelo homem em entidades mutantes sem função utilitária, posto que se tornaram entes quase vivos, não nos deixa dúvidas. Trata-se aqui, se focarmos apenas o título dado por Rodríguez-Aguilar a esses trabalhos,  de uma operação de naturalização da cultura, de mutação de um objeto funcional para um dispositivo exótico da tropicalidade.
Mas existe uma reversão do caminho sugerido pela designação desse conjunto de trabalhos. Ela se dá no próprio ato de produzi-las. Os objetos do começo dos anos 2000 e as esculturas atuais diferem também num aspecto crucial. Enquanto aquelas estavam marcadas pela apropriação ou pela produção de objetos morfologicamente determinados por um contexto cultural específico (pobreza e violência) as esculturas Remípedes Mutantes ainda que explorem a naturalização só existem a partir da invenção poética e de sua concretização pela ação do artista. Não decorrem, portanto, de um processo de seleção natural, mas de uma operação artístico-poética que devolve estes mutantes à sua origem cultural.
 
 
Fernando Cocchiarale
Rio de Janeiro, março de 2011 
bottom of page